quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Entrevista com Cadeirante

Nome: Cell Miranda.

Objetivo: Conhecer o preconceito e os obstáculos sofridos por um usuário de cadeira de rodas.

•Entrevista realizada em formato de bate-papo informal pela internet. (Não tivemos participação ativa).


Qual o motivo pelo qual você se encontra hoje em cadeira de rodas?

Sou cadeirante por ter uma doença neurológica progressiva - Esclerose Múltipla. Não é a mesma dos velhos, ao contrário. Ataca adultos jovens e aparece entre 20 e 40 anos.
Então, fui diagnosticada em 1996, com 35 anos. Conhecendo depois a doença vejo que se manifestou pela primeira vez em 1983, mas só foi diagnosticada 13 anos depois. A partir de 1996 fiquei manca. Depois bengala, andador e cadeira desde 2002.

Você é uma pessoa ativa?

Sempre fui uma pessoa pública e ativa na minha profissão de arquiteta e uso uma cadeira motorizada, o que me proporciona razoável autonomia já que não tenho força para movê-la sozinha. Pelas facilidades dela ando pelas ruas da cidade, mas há muitas cadeirantes, mulheres principalmente, que se “escondem” em casa.

O que vc acha que poderia ser feito para que o acesso de pessoas cadeirantes aos estabelecimentos fosse ideal?

Em primeiro lugar, cumprir a lei. A maioria das cidades possui normas de acessibilidade em seus Códigos de Obras, de acordo com norma da ABNT, a NBR9050, responsável pela padronização dos objetos e edifícios no Brasil.
Em segundo lugar, conscientização. Um prédio bem adaptado utiliza maior quantidade de área para circulação. As rampas ocupam espaço considerável, transformado em uso público e não privado, o mais rentável. Também não adianta ter rampas muito inclinadas, ou que terminem ou contenham degraus.
Outro importante elemento das cidades são as calçadas. Quando existem, não são alinhadas: possuem degraus, buracos, rampas para entrada de veículos que usam o espaço público.
 
Qual a maior dificuldade que você encontrou até no presente momento?

Acho que a maior dificuldade é comigo mesma. Aceitar as limitações, a dependência, a mudança radical de estilo de vida e controlar o mau humor decorrente. Quando fiquei cadeirante, entrei numa profunda depressão, um estado que vinha se construindo há anos e eu não tinha me dado conta.
Outra coisa que me incomoda muito é ter que usar fraldas: minha dificuldade motora impede que chegue ao banheiro a tempo, então. Na realidade, é uma coisa que me ajuda muito, me dá tranquilidade, mas não gosto.

Sua cadeira de rodas é comum ou motorizada? Você recebe ajuda de parentes, para conduzí-la

Minha cadeira de guerra é motorizada, o que me proporciona autonomia que sem a qual ia ser horrível.
Tenho duas babás – cuidadoras – que me acompanham 24 horas por dia, cada uma no seu turno e revezam finais de semana. Minha família me ajuda muito e a estrutura de alimentação se concentra na minha casa. A minha mana do meio, seu filho e minha mãe moram a uma quadra daqui e fazem refeições conosco.

Qual a reação de seus amigos virtuais, ao saber que você é uma cadeirante? Você já se sentiu afastada de alguma amizade, depois que explicou a eles sua situação real?

Existiram, sim, pessoas que se afastaram. Ou melhor, nem chegaram muito. Mas a maioria foi de uma solidariedade só. Já conheci vários pessoalmente, e foi maravilhoso ver o carinho virtual ser real. E ainda vou conhecer mais um montão!
Difícil foi conviver com o afastamento dos amigos reais. A cadeira, a separação do casamento e a depressão me “tiraram de cena”. Quando um casal se desfaz, um tem que refazer amigos e além disso não conseguia – nem queria – sair de casa.
Hoje é diferente: tenho vida própria novamente. Tudo ficou mais difícil em termos de locomoção, mas aprendi a conviver com as dificuldades.

Tem dias que você pensa em ter sua vida “normal” de volta?

Mas a vida não acabou. Conheço muitos cadeirantes que ainda trabalham que sua patologia ou lesão não os deixou incapacitados para continuar atuando em suas profissões. Ou se adaptam a outras funções tranquilamente. Mas não nos considerem idiotas.

Como é a reação das pessoas?

Normalmente ando acompanhada. E já ocorreram várias vezes de perguntarem coisas para mim se dirigindo ao acompanhante, como se eu fosse surda ou débil mental.
Uma vez um senhor, rude, me deu uma moeda de dez centavos. Não aceitei e ele insistiu até que ficasse com a moeda. Tive que aceitar, pois ele se sentiria desumano me vendo e não fazer nada.

Você nota o cuidado do governo, ao construir viadutos, faixas de pedestres e ônibus para cadeirantes, ou você já perdeu as esperanças quanto a essas iniciativas?

Não se trata de perder as esperanças. Acho que fazer parte da comunidade, do país, implica em ser atuante nos movimentos reivindicatórios.
Tem muita coisa a ser feita, a serem conquistados para nós cadeirantes, e para outros também. Desde atendimento médico, medicação especial e política de emprego para deficientes. Isso também passa pela reabilitação e treinamento para mudar de função.


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